Conservação da Biodiversidade e o Bem-estar Humano
Conservação da Biodiversidade e o Bem-estar Humano
É preciso começar este texto reiterando, que não entender intrínseca relação entre a Conservação da Biodiversidade e o Bem-estar Humano é um dos mais graves equívocos que podemos cometer.
Estamos acompanhando várias notícias na mídia, em geral, sobre a dolorosa pandemia que vivenciamos e, agora,começam a aparecer os primeiros textos analisando outros aspectos dessa crise refletindo sobre a origem disso tudo. É preciso falar sobre o DANO AMBIENTAL, que a nossa espécie vem causando ao planeta todos os dias e as suas consequências.
Penso que ainda falamos muito pouco sobre isso e, quando falamos, poucas pessoas entendem. Talvez seja um reflexo inconsciente coletivo, porque lá no fundo sabemos que nosso estilo de vida, consumista e nada sustentável, continua devastando áreas nativas e forçando o contato com agentes patogênicos, para os quais não temos ou perdemos resistência, a exemplo dos recentes casos de Febre Amarela Silvestre, em centros urbanos, causada pelo vírus amarílico, arbovirus, do gênero Flavivirus e família Flaviviridae, transmitido pelo mosquito Aedes aegipyty, que também transmite outros vírus que causam a Dengue, a Zika e a Chikungunya.
Como sociedade humana passamos por um longo período meramente extrativista e, depois,por períodos de transformação de insumos e bens, que por sua vez nos mostrou a necessidade de viver condutas compatíveis com uma “vida sustentável”. Chegamos muito, recentemente, aos Objetos do Desenvolvimento Sustentável, elaborado pela ONU, porém ainda não assimilamos em nossas vidas o SER SUSTENTÁVEL, pois estamos longe de entender o conceito da COEXISTÊNCIA.
O papel da biodiversidade, na prevenção de doenças, recebeu atenção crescente ultimamente. Em 2015, em reuniões na ONU sobre biodiversidade e saúde humana, cientistas escreveram que “uma abordagem ecológica da doença, em vez de uma abordagem simplista de um germe, uma doença, proporcionará uma compreensão mais rica da
doença, seus agentes etiológicos, prevenções e demais relacionados“. Pesquisas recentes deram mais apoio à ideia de que a proteção da biodiversidade, em uma parte do mundo, pode impedir que novas doenças surjam e pulem para
outra.
Existem quatro facetas críticas da prevenção de pandemia, de acordo com Lee Hannah, cientista sênior da Conservation International. Três deles fazem sentido imediatamente no contexto de nossa emergência atual: máscaras de estoque e respiradores; tenha a infraestrutura de teste pronta; e proibir o comércio global de animais silvestres, incluindo os mercados abertos de animais onde o Covid-19 pode ter infectado primeiro as pessoas. Sua quarta recomendação é a mais relevante, porém é a menos sensata de se falar em meio da crise atual, porém necessária: “Cuide da natureza“! Esse tópico não pode ser subestimado em meio a esta crise, pois uma das ações mais proativas a serem adotadas nesse exato momento é prover maior cuidados e zelo com a natureza, como forma de prevenção imediata a futuras epidemias e ou pandemias.
“O surgimento e a disseminação do Covid-19 não eram apenas previsíveis, mas foi previsto no sentido de que haveria um surgimento viral da vida selvagem que seria uma ameaça à saúde pública“, disse o professor Andrew Cunningham, da Zoological Society of Londres. Um estudo de 2007 do surto de Sars em Março de 2002 concluiu: “A presença de um grande reservatório de vírus do tipo Sars-CoV em morcegos-ferradura, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba no tempo. Embora você não pense nisso nesse momento, mas provavelmente tivemos um pouco de sorte com o Covid-19“, disse ele. “Então, acho que devemos considerar isso como uma clara advertência. Estamos jogando com a sorte, com em um jogo de dados”.
Aaron Bernstein, da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos EUA, disse que a destruição de lugares naturais leva a vida selvagem a se aproximar das pessoas e, que, a mudança climática também está forçando os animais a se moverem: “Isso cria uma oportunidade para os patógenos entrarem em novos hospedeiros. Precisamos ver o que a natureza está tentando nos dizer aqui. Precisamos reconhecer que estamos brincando com fogo. A separação entre políticas de saúde e meio ambiente é uma ilusão perigosa. Nossa saúde depende inteiramente do clima e de outros organismos com os quais compartilhamos o planeta”, disse ele.
Estamos em meio a uma das várias Pandemias que já assolou nosso planeta, talvez essa tenha uma peculiaridade de gozar de todas as vantagens da tal globalização, assessorada pelo excesso de informações sem conteúdo (infordemia) e por isso teve o êxito do qual somos testemunhas. Mas é preciso deixar claro que essa não será a última.
É necessário desde já, buscar organizar o que aprendemos, onde acertamos, em que erramos, pois podemos viver outras COVID 21, 22, 23…! Especialistas em doenças infecciosas emergentes alertam há décadas que a fragmentação e a degradação do habitat, além dos mercados de animais vivos, aumentam o risco de doenças se espalharem da vida selvagem para as populações humanas. O surgimento de muitos dos novos flagelos do nosso tempo – HIV, Ebola, Nipah, SARS, MARS, H5N1 e o Sabiá! Sim, Sabiá! Um nome bem brasileiro, para um arenavírus brasileiro, que é o agente etiológico da doença denominada febre hemorrágica brasileira, que já andou assolando nossos conterrâneos amazonenses, assim como alguns grupamentos do nosso exército que trabalha por lá! – todos esses podem ser atribuídos, pelo menos em parte, ao aumento dos impactos humanos nos sistemas naturais ao redor de nosso planeta.
Uma nova epidemia pode surgir em qualquer ponto do planeta, inclusive do oceano, e da mesma forma que ela se expande, nós também precisamos amadurecer de maneira exponencial.
O risco de disseminação de vírus, da vida selvagem para as pessoas, aumenta à medida que o contato aumenta entre elas, de acordo com a pesquisa publicada por pesquisadores liderados por Christine Kreuder Johnson, do Instituto de Saúde ONE, da Universidade da Califórnia, em Davis. Quase metade das novas doenças que saltaram de animais para humanos (chamadas patógenos zoonóticos) após 1940 pode ser atribuída às mudanças no uso da terra, agricultura ou caça à vida selvagem. As patologias que listamos acima se encaixam no perfil e ainda podem haver mais de 10.000 vírus de mamíferos potencialmente perigosos para a população humana.
É fundamental monitorar a saúde de espécies e ecossistemas ameaçados e fornecer soluções práticas para a proteção e o uso sustentável dos recursos dos quais depende o bem-estar humano. Precisamos urgentemente iniciar uma era de restauração ambiental.
Imagino que a recessão econômica global iminente reduzirá os fundos disponíveis para os governos e fundações investirem na conservação e, potencialmente, reduzirá o financiamento para subsídios à pesquisa e programas de conservação. É improvável que a pesquisa em conservação seja uma prioridade do governo brasileiro,bem como de outros países, durante a recuperação econômica mundial pós-pandemia. O que é um ERRO FATAL.
É preciso estar ciente dos muitos benefícios que essas pesquisas e a própria preservação da biodiversidade fornecem à humanidade e ressaltar o quanto elevamos nossos riscos sanitários, econômico e social, sem essas boas práticas, exatamente como o a COVID 19 está nos ensinando.
Não podemos ser ingênuos e meramente reativos. Isso não significa que não precisamos rever nossos planos logísticos, nossa infraestrutura para a indústria de insumos e equipamentos essenciais a saúde, mas é preciso ficar atendo para a fonte e para as causas básicas dessas crises.
São lições cruciais:
·Ambientes Silvestres possuem fauna e flora que buscam sempre pelo equilíbrio!
Precisamos de uma vez por todas aprender que caso esse equilíbrio não ocorra, os riscos não será somente para grandes árvores e para outras espécies animais. Isso repercute em todos nós! Por exemplo, processos de licenciamento ambiental técnico e coerentes, redução do impacto sobre áreas nativas, fiscalização sobre a proibição da caça e combate ao tráfico de animais, que tanto ouvimos falar, não podem ser negligenciados, pois são procedimentos básicos e necessários, não somente para a economia, mas também para a saúde
coletiva. Eles precisam ser cada vez mais sensatos, aprofundados e eficientes, ou serão nossa próxima arapuca.
· Fome não pode ser tratada de forma leviana!
É muito fácil apontar para China e dizer que esse vírus só apareceu por eles comerem animais silvestres. Sem querer buscar razões ou justificativas. É preciso olhar para isso e saber de onde veio tal cultura. É
preciso saber o que foi a GRANDE FOME DA CHINA, que assolou esse país extremamente populoso, mas entender que foi preciso fazer de TUDO para sobreviver, do mesmo modo compreender que apesar de tantos avanços, muitas regiões chinesas ainda hoje vivem assoladas pela fome e pela falta de outras necessidades básicas. Precisamos lembrar que essa realidade não é exclusividade de regiões da asiáticas. Na Índia, na África, no Brasil, ainda identificamos regiões onde “comer uma caça” é o que sustenta muita gente. A própria Europa viveu seus momentos de fome extrema, sendo muito fácil encontrar na história o que eles precisaram fazer para sobreviver. Em todos esses países e regiões, existe uma causa comum, tais como políticas econômicas transversal deficientes e a falta de planejamento administrativo e social, promovendo ações que atendam a todos de forma minimamente digna, gerando um crescimento totalmente desorganizado e causando fome em massa, o que resulta em milhões de mortes por ano.
Tudo isso já aconteceu antes da COVID 19 e, ao que parece, ainda não aprendemos. Ainda vimemos o dito popular “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Não dá! Simplesmente não funciona! Não uma questão de ideologia política ou religiosa. É simplesmente entender que se minha sociedade, cidade ou bairro, do meu país, cresce e se “organiza”, e uma outra região do planeta ainda sofre sem saneamento básico e sem acesso a água, sabão e comida, nunca, mas nunca
mesmo, estaremos seguros! Estaremos sim sempre a um salto interespécies para uma nova crise.
· Trabalhar com a conservação da natureza, não é somente uma atividade de bravos aventureiros e pesquisadores. Precisa ser preocupação de cada um de nós!
Gosto de citar sempre esse exemplo para trazer o tema conservação para nossa realidade urbana. Um Lobo Guará atropelado numa rodovia, implica no aumento do preço do pão na padaria perto de sua casa! Aquele único lobo poderia controlar uma outra população de roedores, e a falta dele na cadeia de serviços ecossistêmicos, a qual participa, irá afetar a produção de trigo. Isso, o do trigo do seu pão! Como esse exemplo, podemos delinear diversas outras correlações que impactam tanto em nossa subsistência, como em nossa saúde.
Não dá para conviver com gestões políticas irresponsáveis, amadoras, aventureiras e cegas, por não enxergarem o quanto precisamos ir além de ser SUSTENTÁVEIS! Reduzir urgentemente nossa Pegada Ecológica! Precisamos aprender a COEXISTIR!
Temos uma oportunidade ímpar para lembrar as pessoas sobre o impacto da conexão entre ecossistemas saudáveis e resilientes e o bem-estar humano.
É preciso prover saúde, segurança alimentar, hídrica, física e econômica, cultura da maneira menos discrepante e a nível global. Não é sonho e nem utopia, é constatação. Nós serem humanos, estamos em um único e fantástico recinto, um único ambiente, um único planeta. Se não soubermos manejá-lo perderemos nossa chance de viver aqui.
Mas você tem o direito de discordar. Ok!? Então por favor nos ajude a entender outra fórmula. Mas que seja antes e a tempo da próxima pandemia.
Gerson Norberto
Médico Veterinário
@norberto.gerson